quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Entrevista com Iván Dario Ramirez sobre o "Modelo de Medellín"

http://www.comunidadesegura.org/pt-br/MATERIA-medelin-o-desafio-continua

 Andrea Domínguez 28/06/2011 - 03:00

ENTREVISTA / Iván Darío Ramírez
Ivan_Ramirez_TOPO.jpgDepois de ter registado uma taxa de homicídios de 381 por 100 mil habitantes em 1991 - três vezes o registrado atualmente em Ciudad Juarez, uma das cidades mais violentas do mundo hoje, de acordo com o Institute for International Studies, da Universidade de Stanford -, Medelin conseguiu reverter a situação dramática e, em 2004, alconçou uma taxa de 24 homicídios por 100 mil habitantes, deixando para trás cidades como Washington. Os dados da cidade colombiana são da ONG Medelln como Vamos e do Instituto de Medicina Legal da Colômbia.
As bibliotecas de bairros de baixa renda, os teleféricos interligando as comunidades por cabo e o investimento em cultura, recreação e esporte se tornaram ícones do "Modelo de Medelin". Mas um aumento nas taxas de violência nos últimos anos, como o assassinato a tiros de 80 crianças só neste ano e uma taxa de homicídios de 45 por 100 mil habitantes em 2010 - reacendeu os temores de que a violência volte aos níveis do passado.
O sociólogo Ivan Ramirez, coordenador do Observatório de Crianças em Conflitos Armados e em Violência Armada Organizada, da organização Paz e Democracia, fala sobre os sucessos e fracassos do "Modelo de Medellin", introduzido pelos prefeitos Sergio Fajardo e Alonso Salazar e chama a atenção para a importância de reforçar o investimento social para evitar retrocessos na cidade industrial no oeste da Colômbia.
Muito se fala sobre o sucesso do “Modelo de Medelin”, mas agora fala-se em retrocesso em termos de segurança. Como está Medellin hoje?
Deve-se dividir a história de Medelin entre antes e depois do Projeto Compromisso Cidadão, iniciado na administração do prefeito Sergio Fajardo e que continua até hoje, com Alonso Salazar. O projeto procura dar mais transparência aos recursos e direcioná-los um pouco mais para a ação social.
Na minha opinião, esta estratégia foi baseada no fato de que a cidade - e não apenas por razões de segurança, mas pelo seu modelo administrativo - era desprovida de condições que poderiam torná-la competitiva internacionalmente. A ideia dessas duas administrações era melhorar alguns indicadores e o investimento social era um meio de fazê-lo. Devemos reconhecer que houve uma ruptura com os modelos anteriores e uma maior preocupação com os direitos dos indivíduos.
Que aspectos específicos dessa mudança são vistos hoje como um modelo?
Há uma melhora na qualidade de vida em diversos aspectos, como infraestrutura, transportes, educação, creches, bibliotecas e atividades recreativas e culturais. Basta ir aos bairros e ver as obras e atividades. Todos os atores reconhecem que há progresso no investimento em projetos culturais - ainda não o suficiente, mas melhor do que antes.
Mas a cidade está mais ou menos segura?
Essa questão tem sido controversa o tempo todo. O Compromisso Cidadão do governo local coincidiu com a primeira desmobilização de grupos paramilitares. Indiscutivelmente, o prefeito de Medelin fez uma aposta ao investir recursos humanos e financeiros num processo de reintegração social.
Posso concordar com as críticas de que o governo federal deixou o projeto sozinho, sem um acompanhamento de supervisão e monitoramento local sério o suficiente para entender que esse processo de Compromisso Cidadão também deveria servir aos setores que vieram do tráfico de drogas e a paramilitares desmobilizados e suas associações com a violência armada organizada.
Quais são os argumentos de ambos os lados?
Há os que argumentam que os melhores níveis de segurança e de taxas de homicídio que ocorreram principalmente na primeira administração foram resultado da política de reintegração. Mas existe outra visão que diz que houve uma espécie de pacto, tácito ou não, onde, após a desmobilização, os grupos armados determinaram que se estabelecesse um controle porque isso os favorecia naquele momento, já que não iriam persegui-los.
Setores da oposição e defensores de direitos humanos reclamam que o processo de desmobilização teve muitos enganos. No processo de reintegração, grupos armados ilegais aproveitaram o mecanismo e entraram em um jogo que lhes permitiu recriar algumas de suas próprias estruturas. Pesquisadores e críticos queixaram-se que há agora um poder "gangster" ou "ilegal" na cidade, que não só tem a ver com o crime de tráfico de drogas, mas de crime interessado no estado. Os números mostram que em 2008 os homicídios caíram para 30 por 100 mil habitantes e hoje temos cerca de 100 por 100 mil.
E onde o programa falhou?
Agora a experiência mostra que a cidade errou ao não reconhecer a magnitude e a complexidade do problema. Havia paramilitares que se desmobilizaram mas não se desarmaram e paramilitares que se desarmaram mas não se desmobilizaram, isto é, indivíduos e grupos que exerciam um controle temerário em muitos bairros. Um grupo muito importante de ex-rebeldes voltou a armar-se. Além disso, grupos criminosos e civis que nunca participaram desses grupos se juntaram para obter os benefícios da desmobilização. 
Pode-se afirmar, então, que a melhora nos níveis de segurança se deveu a um pacto tácito de não-agressão?
Analistas do fenômeno urbano em Medelin concordam que este foi um fator importante e a prova é que temos hoje na cidade um grupo que pode ser chamado de neo-paramilitares, que aprendeu com a experiência dos paramilitares. Para alguns, antes havia paramilitares com táticas criminosas e agora há criminosos com táticas paramilitares.
Organizações da sociedade civil concordam que há uma mistura entre uma concepção e práticas criminosas associadas com paramilitares. Falar de associação é complexo, mas podemos notar que houve tolerância e não houve uma leitura e ações mais efetivas frente ao problema. Por exemplo, as denúncias de ameaças a líderes sociais e de direitos humanos por parte de desmobilizados, incluindo o assassinato de alguns deles. Mas o fato mais evidente é a existência de um controle territorial que não deixou de existir e que se expressa sob novas formas.
Como isso se manifesta na cidade?
Existem estruturas que chamamos de violência armada organizada que não necessariamente têm interesse no projeto de contrainsurgência, mas sim um interesse fundamentalmente econômico, que recorrem a grupos paramilitares e tentam captar o impacto sobre o estado.
Não são apenas ligadas ao tráfico de drogas, mas também a outras economias ilícitas, como o controle territorial, e com uma concepção clara de ataque a defensores dos direitos humanos e líderes sociais, como as organizações das vítimas. O recrutamento amplo de crianças e adolescentes a esses grupos armados também fizeram aumentar as taxas de homicídio nos últimos dois anos.
Quem são os grupos que agora ameaçam a segurança de Medelin?
São grupos que se reorganizaram durante processos anteriores e que começam uma nova disputa sobre o território e o mercado interno. No entanto, a cidade tem dificuldade em definir ou aceitar a existência desses grupos armados, que são novas expressões de estruturas paramilitares.
E como eles se organizam?
Segundo alguns pesquisadores, estas estruturas têm um projeto econômico, um interesse no Estado e buscam o controle territorial por meio do controle das organizações de defesa dos direitos humanos e por meio de ações criminosas, não só no tráfico de drogas, mas em ações de corrupção, extorsão e intimidação.
Por outro lado, o governo insiste que são estruturas criminosas e não têm interesse em controlar territórios. Acreditamos que esses setores têm interesse em capturar o Estado, como a máfia em cidades na Itália e em outros lugares.
Como se identifica a disputa por território entre esses grupos?
Eles usam cada vez mais crianças nas práticas criminosas, recrutando-as para o transporte de drogas e a exploração sexual. Hoje, muitas escolas em Medelin são territórios disputados por grupos armados e estão permeadas por seus interesses criminosos.
Eles estão dentro das escolas?
Na Colômbia, além da violência política, as escolas vivem sob o controle de grupos armados com interesses econômicos que se expressam na venda de drogas, no uso de meninas para exploração sexual e na circulação de armas.
O poder armado também é usado para pressionar as autoridades da escola. Diretores atuam com medo, professores são ameaçados, crianças estão amedrontadas e isso tem um impacto forte na desescolarização. Há um caso que ilustra a gravidade do problema: uma escola em que dos 450 estudantes se evadiram, 75 o fizeram devido a ameaças ou porque não podem passar a fronteira entre um território e outro.
Que figuras ilustram a vitimização de crianças e jovens em Medelin?
Em 2000, quando a taxa de homicídios foi de 167 por 100 mil habitantes, a cada 4,8 dias uma criança foi assassinada. Em 2009, a cada três dias matou-se uma criança na cidade. Em 2010, a cada 1,8 dias, uma criança foi morta, e em fevereiro de 2011, quase todo dia uma criança morreu a tiros na cidade.
Entre janeiro e fevereiro de 2011, 58 menores de 18 anos foram mortos, segundo o Instituto Nacional de Medicina Legal. Nos últimos 18 meses, mataram cinco jovens artistas do hip hop de grupos da Comuna 13. Precisamos acordar. Se não dói  uma criança morrer a cada dia aqui, então o que dói?
Foto: Iván Ramírez
Tradução: Marina Lemle





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