quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Para entender o conflito colombiano: guias de um labirinto

http://www.comunidadesegura.org/pt-br/MATERIA-o-conflito-na-colombia?q=es/node/31001

21/11/2006 - 13:53

Tradução de Shelley de Botton
A Colômbia vive um conflito interno há 40 anos que ainda não foi reconhecido formalmente como guerra civil. Seus habitantes, no entanto, têm sentido as conseqüências deste foco cíclico de violência, que gerou milhões de deslocados, desaparecidos políticos e infâncias robadas em todo o país.
Os atores armados que atuam no conflito são as guerrilhas de esquerda - Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o Exército de Libertação Nacional (ELN) -, as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), os narcotraficantes e as Forças Armadas.
As origens do conflito são controvertidas. Alguns autores citam a luta pela terra como motivo principal e outros consideram as disputas políticas da metade do século passado entre os partidos Liberal e Conservador, especialmente durante o período denominado "a violência" (1946-1962), que permitiram o surgimento incipiente das ações de guerrilha.
As Farc e a UP
Segundo o sociólogo Fernando Pizarro, autor de diversos livros e artigos sobre o conflito, o nascimento das guerrilhas rurais das Farc nos anos 60 remonta à criação das "ligas campesinas", que reivindicavam a posse de terra, e que sofriam forte repressão estatal. Mas é na década de 80 que o grupo adota novas estratégias militares e econômicas e transformam sua atuação e dinâmica de expansão.
“Depois de um processo de negociação de paz com o governo, em 1984, quando se desmobilizaram antigos guerrilheiros das Farc e, junto com outros ativistas de esquerda, alguns membros do Partido Comunista e outros ativistas políticos independentes, formaram um movimento que se chamou União Patriótica (UP)”, explica Pablo Emílio Angarita, pesquisador e coordenador do Grupo Interdisciplinar sobre Conflitos e Violências do Instituto de Estudos Regionais da Universidade de Antióquia.
No entanto, a UP não teve uma vida longa. Nas eleições realizadas em meados dos anos 80 chegaram a obter uma votação historicamente alta - quase 10% das prefeituras -, algo muito significativo e que causou escândalo nos setores mais conservadores do país. “Assim começou o extermínio político, o maior genocídio que se tem notícia na história política de Colômbia”, lamenta Pablo.
O pesquisador afirma que cada vez que havia alguma ação guerrilheira, imediatamente eram assassinados dirigentes ou simpatizantes da UP. “Isso acontecia naquela época, e ainda hoje, mesmo a UP tendo acabado, pessoas que foram vinculadas ao movimento no passado continuam sendo assassinadas", acrescenta.
Como resultado são contabilizados mais de quatro mil membros mortos, entre eles homens e mulheres congressistas, prefeitos e prefeitas, governadores e governadoras, deputados e deputadas, e vereadores e vereadoras. “Falando de outra forma, o braço político das Farc foi exterminado, abrindo espaço para a liderança militar e novas fontes de financiamento baseadas na extorção, seqüestro e alianças com os cartéis do narcotráfico, ao mesmo tempo em que foram ofuscadas quaisquer possibilidades de negociação com o governo”, resume Pablo.
Os paramilitares
Fernando Cubides, também sociólogo e autor de livros sobre o conflicto colombiano, relata que os grupos paramilitares, por sua vez, nasceram na década de 80 patrocinados e financiados por propietários de terras, que rapidamente passaram da contenção à ofensiva, atribuindo-se funções próprias do Estado, travando batalhas contra a guerrilha quando assassinavam líderes de esquerda e denominados “amigos da guerrilha”.
Sob um comando único, os paramilitares passam a se chamar Autodefensas Unidas da Colômbia (AUC), se consolidam como uma organização contrainsurgente e começam a incursionar por regiões tradicionalmente dominadas pela guerrilha.
“Nos anos 90 esses grupos cresceram exponencialmente e hoje têm um papel fundamental no conflito interno. As AUC se converteram na organização armada à qual é atribuída a maioria dos massacres que ocorrem no país”, afirma Iván Ramírez, coordenador do Observatório da Infância em Conflito Armado e Violência Armada Organizada e membro do Grupo de Trabalho para o Projeto Coav Cidades em Medellín, Colômbia.
Entre as principais fontes de financiamento destes grupos estão a extorsão, a intimidação, o homicídio, o controle territorial para a exportação de cocaína e o contrabando de armas.
Negociações geram polêmica
Depois de várias tentativas mal-sucedidas de negociações de paz ao longo dos anos, o atual presidente Álvaro Uribe conseguiu firmar um acordo com os grupos paramilitares para que se desmobilizassem sob a polêmica Lei de Justiça e Paz. Cerca de 40 mil combatentes das AUC entregaram suas armas desde que o grupo começou as negociações com o governo em 2003. No entanto, a nova legislação é alvo de inúmeras críticas, tanto por setores da sociedade civil colombianos, como por organizações de defesa dos direitos humanos internacionais.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) adverte que a lei pode “abrir caminho para a impunidade” por ser permissiva demais. De acordo com a lei, os paramilitares que entregarem suas armas, libertarem seqüestrados, se desmobilizarem e cessarem qualquer tipo de hostilidade serão beneficiados com uma forte redução de penas de privação de liberdade. Também amplia a possibilidade de obtenção de liberdade condicional para quem cometeu crimes graves, incluindo crimes contra a humanidade.
Além disso, a lei tem um caráter voluntário e não obriga a declarar a verdade, já que tudo depende da informação que a pessoa queira entregar. “Os paramilitares criaram esta lei. Ela estimula a impunidade, não trata a questão da terra e dá um caráter político a um grupo insurgente, que possibilita sua legalização e facilita a lavagem de dinheiro”, denuncia Iván.
Iván também chama a atenção para a brecha aberta aos narcotraficantes, que podem comprar um exército e tornar-se comandantes para pouco depois se desmobilizarem sob os benefícios da lei, escapando de uma possível extradição aos Estados Unidos.
Além disso, ocorreu uma expansão paramilitar como indica o Informe sobre a Situação dos Direitos Humanos na Colômbia de 2005. Elaborado pela ACNUDH, o documento alerta para uma eventual interferência política desta organização no país. O que foi confirmado por Vicente Castaño – um dos principais chefes paramilitares, que declarou à revista "Semana", em junho de 2005, que as AUC detêm 35% de representatividade no Congresso Nacional.
Segundo um informe da Organización dos Estados Americanos (OEA), divulgado no início de março de 2006, depois de desmobilizados, pelo menos quatro mil paramilitares voltaram a exercer atividades criminosas. O documento explica que diversas frentes paramilitares impediram a desmobilização de grupos clandestinos e começaram a operar com outros nomres.
Luz no fim do túnel?
Não obstante, a Colômbia vive atualmente um momento de distenção. A base da campanha de Uribe para a reeleição em 2006 foi a diminuição dos índices de violência em todo o país. Segundo dados oficiais, a taxa de homicídios caiu 10%, a menor en 18 anos. Entretanto, defensores dos direitos humanos alertam para a necessidade de se revisar as políticas atuais para efetivamente semear a paz na sociedade:
“A negação do direito à reparação, justiça e verdade às vítimas que vêm sofrendo décadas de violência – ao custo da desmobilização dos paramilitares – não servirá senão para aumentar as tensões sociais na Colômbia”, adverte o comunicado Semeando a Futura Violência (Sembrando la Violencia Futura), da Organização Mundial Contra a Tortura (OMCT).
Assim, enquanto as desigualdades socio-econômicas não diminuírem e reais possibilidades de reinserção social aos mais de dois milhões e meio de desabrigados e 14 mil crianças que se estima terem sido recrutadas pelos grupos irregulares forem oferecidas, dificilmente se alcançará uma paz duradoura no país.
Bibliografia:
Cubides, Fernando (1999). “Los Paramilitares y su Estrategias” en Reconocer la
Guerra para Construir la Paz. Bogota, CEREC.
Biografía y obras de Eduardo Pizarro en el sitio de la Universidad Nacional de Colombia:http://www.seminario2005.unal.edu.co/Eduardo%20Pizarro.html
Pizarro Leóngomez, Eduardo (1991). “Las FARC 1949-1966”. Bogotá, Universidad
Nacional de Colombia, Tercer Mundo Editores.
Biografía y obras de Fernando Cubides en el sitio de la Universidad Nacional de Colombia:http://www.seminario2005.unal.edu.co/Cubides.html

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