domingo, 22 de junho de 2008

Confrontos na África do Sul não são xenófobos, diz especialista

31/05/2008 - 12h42
Confrontos na África do Sul não são xenófobos, diz especialista

A violência de sul-africanos contra imigrantes de outras partes da África --que teve início em 16 de maio e deixou ao menos 56 mortos-- não pode ser considerada xenofobia, na opinião da professora Leila Leite Hernandez, livre-docente em História da África e professora da faculdade de História da USP (Universidade de São Paulo).

Folha Online - Quando os zimbabuanos e moçambicanos começaram a migrar para a África do Sul?

Leila Leite Hernandez - A ida deles já vem de muitos séculos. Há deslocamentos nessa região desde antes do século 19, que são próprios dos povos dessa parte meridional da África. Esses deslocamentos se acentuam sobretudo com os trabalhadores de Moçambique -que ainda não eram moçambicanos porque o país não era independente-- a partir da descoberta das minas de ouro e diamante na África do Sul, que são próximas a essa área onde é o conflito hoje.
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Folha Online - A violência contra os imigrantes já existia desde o início dos deslocamentos dos africanos?

Hernandez - Não. Esses conflitos são recentes e tem a ver com um conjunto de circunstâncias. Existe um encarecimento dos produtos básicos de alimentação e o processo de mundialização em curso acentua as desigualdades. As regiões que já são mais empobrecidas e que já tem questões alimentares sérias acabam tendo mais desafios pela própria sobrevivência.
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Folha Online - Por que iniciaram os conflitos? Já que a imigração sempre ocorreu pacificamente...

Hernandez - Temos uma conjuntura internacional entre Zimbábue, Zâmbia, Moçambique e África do Sul. E temos também as questões internas a cada um desses países. A Zâmbia, assim como o Zimbábue, tem problemas seríssimos. Em Moçambique a situação é um pouco melhor, mas também há problemas. Todos esses países tem uma concentração precária de distribuição de renda. A situação também tem a ver com problemas internos à África do Sul. O país é a economia com os melhores índices da África meridional, mas tem por volta de 30% de desemprego, o que é elevado.

Em torno de Johannesburgo existiam as cidades para os negros viverem durante o apartheid, precárias em termos de energia elétrica, saneamento básico, saúde e educação [as aqui chamadas townships]. Já são locais com grande acúmulo urbano e ainda recebem os imigrantes. A África do Sul também tem uma das maiores taxas de migração do campo para a cidade. E essa população fica nas proximidades de Johannesburgo, com uma vida extremamente precária.
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Folha Online - Então, a situação é mais uma rejeição à situação do que ao estrangeiro em si?

Hernandez - Exatamente. Em cada um dos lugares na África, as questões tem respostas específicas na economia. A taxa de desemprego, a taxa de inflação, a má distribuição da renda, as doenças e epidemias, sobretudo a Aids. É uma reação local à pobreza e é evidente que essas questões são apropriadas politicamente, de forma muitas vezes banalizada, reduzida a embates entre estrangeiros, quando a questão é muito mais profunda. Envolve, por exemplo, uma política trabalhista que não dá aos trabalhadores da África do Sul nenhuma proteção, o que, aliás, é uma tendência no novo modelo de mercado atual.
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FERNANDA BARBOSA
Colaboração para a Folha Online

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